Espaço Sérgio Britto
Unidade CAL Glória
"Sou apaixonado pela obra de Lewis Carroll, já tendo assistido e lido diversas versões e análises de “Alice no País das Maravilhas” e “Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá”. Raras vezes fiquei satisfeito com o que vi, e isso aumenta minha responsabilidade ao lidar com uma obra com tantas referências. Ao longo dos ensaios, perguntei várias vezes “o que isso significa?”, tanto para mim mesmo como para o elenco e equipe de criação. Percebi que escolher os signos cênicos para esta obra me levava constantemente a dialogar com o século XIX e com as diversas referências históricas e biográficas envolvendo Lewis Carroll e a menina Alice Liddell (a musa inspiradora da personagem Alice dos livros); mas também a criar relação com o mundo contemporâneo, e encontrar os possíveis desdobramentos das questões presentes na obra de Carroll: as diversas alterações de tamanho de Alice; a constante busca de solução para questões como “quem é você?”, “de que tamanho você quer ficar?”, “para onde você quer ir?”, entre tantas outras que nos fazemos ao longo da vida, sempre em busca de nós mesmos; o contínuo aprendizado, acentuado na infância, mas que se estende até o fim da vida; a pressão social para provarmos nossa sabedoria; e outras ações, como o desejo de poder, a necessidade de autocontrole, a corrida para não sair do lugar, a condenação antes do julgamento, além de diversos momentos de hostilidade, manipulação, agressão, inquérito, confusão, pressão em que somos objeto ou sujeito, todos os dias. Além disso, era preciso também encontrar as justificativas para o País das Maravilhas e Através do Espelho, o primeiro como uma declaração de amor do autor por uma menina de dez anos; o segundo como despedida para a mesma menina que agora já se tornava adulta. É claro, havia ainda as diversas brincadeiras com a linguagem: a liberdade que poderia vir do uso do nonsense e das paródias; o domínio do mundo através da interpretação que damos às palavras; a quebra de protocolo e repressão através da transgressão da linguagem; os jogos semiológicos que antecipavam muitas teorias da comunicação do século XX.
Resolvi também apresentar, além dos universos fantásticos dos livros de Carroll, um pouco da história envolvendo as personagens reais, que estiveram nos bastidores de uma das mais famosas obras da literatura inglesa: a suspeita de algum escândalo na relação entre o diácono Charles Dodgson (verdadeiro nome de Carroll) e a menina Alice, levando ao rompimento das suas relações com a família Liddell; as diversas fotografias de meninas produzidas por Dodgson; o romance de Alice Liddell com o príncipe Leopold, filho da Rainha Vitória; o fantasma da pedofilia envolvendo Carroll e Ruskin, dois artistas renomados da Inglaterra vitoriana; a velhice de Alice e sua relação com as obras que inspirou.
Apesar da desconfiança de uma relação ilícita entre Dodgson e Alice, resisto a identificá-la como um caso de pedofilia. O que Dodgson/Carroll fazia com suas amigas meninas parece ter sido de outra ordem: ele as valorizava, entretinha, fotografava, estimulava sua autoestima, ficava deslumbrado com sua esperteza e sinceridade, induzia-as às vezes à desobediência e transgressão, para talvez instigar sua inteligência, e não para molestá-las sexualmente. Até onde sei, não houve prova de abuso sexual nem de que Dodgson tivesse passado dos limites aceitáveis para uma relação envolvendo um homem adulto e uma criança. Tudo o que temos é especulação e dedução. Mas se não houve agressão sexual, seria possível que o sentimento de Dodgson por Alice fosse amor? O que chamamos de amor está limitado ao que é estabelecido como “normal”, de acordo com cada sociedade e época. Na Inglaterra do século XIX, normais eram as relações entre pessoas de sexo oposto, da mesma raça, mesma classe social e dentro de limitações etárias que variavam para homens e mulheres. O que não se encaixava nessas fronteiras, era anormalidade, crime, tara, desvio.
Por se tratar de uma das obras mais abertas com que já trabalhei, as respostas que encontramos para esta encenação têm relação íntima com a visão deste coletivo de artistas ao lidar com esses livros: não pretendem ser definitivas nem as únicas. Agradeço à turma de formandos que colaboraram na criação das cenas, à atenção e criatividade dos meus assistentes e de toda a equipe de criação. Obrigado à CAL, pela oportunidade de trabalhar com mais uma formatura de atores, a sétima que dirijo nesta instituição."
palavras do diretor Marcelo Morato
Lewis Carrol
Marcelo Morato
Anderson Dias
Emmanuele Rodrigues
Wilson Reiz
Bráulio Giordano
Rebeca Jamir
Sérgio Kauffmann
Duda Maia
Rebeca Jamir
Sérgio Kauffmann
Eduardo Leão